06 novembro, 2006

12 – Reforma Agrária ou a Fazenda do Seu Quincas



Quando eu era garoto, muito, muito tempo atrás, costumava passar as férias de verão na fazenda do “seu Quincas”.
Era um período glorioso pela sensação de liberdade e pelas descobertas que fazíamos a cada momento (eu e meus amigos, os netos do seu Quincas) naqueles espaços, que, na época, me pareciam imensos.
Olhando em perspectiva a fazenda devia ser resultado da repartição de outra muito maior entre os herdeiros do falecido pai do seu Quincas e deve ter tido seu apogeu na era do café.
A casa grande não era lá tão grande e seu interior e mobiliário mostravam que a fase dourada tinha ficado no passado.
Contudo vivia-se bem e sem sobressaltos.
Os trabalhos da fazenda eram feitos por colonos (como eram chamados, na época, os trabalhadores rurais) que moravam em casas simples na área da propriedade e tinham sua horta, galinheiro, etc. para atender ou complementar sua alimentação e recebiam um salário que não deveria ser lá grande coisa.
Os mais operosos “meavam” com o proprietário lavouras de milho, cana, feijão ou aipim (é o que consigo me lembrar), o que lhes garantia uma renda extra.
Apenas para informação dos mais urbanos: Meação é um sistema em que o proprietário da terra a cede ao chamado meeiro para que ele a cultive. A colheita é repartida de acordo com o acordo feito (geralmente meio a meio).
Se não era o melhor dos mundos também não era o pior e, seguramente, poderia e deveria ser melhorado.
Com a industrialização crescente dos anos 60 e a concentração das populações em torno das áreas industrializadas as comparações entre as condições de remuneração do operário urbano e rural eram inevitáveis.
Isto foi um prato cheio para os políticos que criaram a imagem de um camponês espoliado que só existia em Cuba ou na União Soviética de 50 anos atrás.
O colono ou trabalhador rural passou a ser denominado camponês e todo mundo (políticos, religiosos, etc.) decidiu proteger os “pobres coitados”.
Resolveram estender ao campo os direitos trabalhistas dos operários urbanos, e dar o mesmo remédio para doenças diferentes costuma não dar certo, e não deu.
O objetivo dos fazendeiros passou a ser ter o mínimo possível de empregados e, de preferência, que não morassem na fazenda para não terem mais adiante problemas trabalhistas.
Descobriu-se então que o negócio era soltar o gado no campo e depois vender.
E o pessoal que sobrou? Foi para a periferia das cidades em busca de trabalho e lá ficou vivendo de sub-emprego e biscates e morando em condições miseráveis.
Os políticos ganharam seus votos, os fazendeiros passaram a ser empresários rurais.
Quando era necessária mais mão de obra na fazenda era só mandar um caminhão passar na favela mais próxima e trazer o pessoal. Ao fim do dia levar de volta e ponto final.
Suas excelências tinham inventado os “bóias frias”.
Precisavam agora proteger os bóias frias e a solução era a reforma agrária.
Os fazendeiros, que tinham aprendido a lição, trataram de racionalizar ainda mais seu trabalho com mais tecnologia, mais máquinas, etc., etc.
Por sua vez, com a demanda cada vez maior de alimentos e o inchaço das cidades a terra próxima aos centros consumidores se tornou cada vez mais cara.
Como e onde fazer a reforma agrária?
Desapropriando, ou melhor ainda invadindo as fazendas improdutivas foi a resposta dos “gênios”.
Só que elas eram improdutivas porque estavam exauridas pelo manejo predador.
Os proprietários que foram desapropriados estão rindo até hoje, pois foram pagos a peso de ouro para se livrar de um problemão (um pedaço foi para os “nobres”, é claro, mas deixa pra lá).
Os colonos, que com o tempo tinham se tornado bóias frias ganharam um novo apelido; agora eram os “sem terra”.
Os políticos novamente correram para proteger os coitados (como são bons os políticos).
Fizeram grandiosos planos de assentamento (apelido das favelas rurais) lá no meio do fim do mundo e disseram para os infelizes que agora eles eram donos da própria terra e podiam se dedicar a uma atividade que os levaria à riqueza e a prosperidade, “agricultura familiar”.
Vocês se lembram da fazenda do seu Quincas? Os filhos e netos dele se mudaram para a cidade e, quando o velho morreu, um meeiro muito trabalhador e sagaz conseguir comprar dos herdeiros a terra onde tinha nascido e que conhecia como ninguém.
A fazenda prosperou e com o passar do tempo a cidade vizinha cresceu tanto que encostou nela e o antigo colono, agora empresário, transformou a propriedade em loteamento urbano.
Você acredita num final feliz como este (que é real) para algum dos “sem terra” assentados pelo governo no meio da Amazônia?
Se acreditar não deixe de mandar uma cartinha para Papai Noel pedindo seus presentes desse ano.
E espere sentado que até 2012 os presentes chegam.